27/05/2013

O segredo do compartilhar



A saudade é uma dor profunda que, em certos casos, nunca vai embora. Diminui a intensidade, talvez, mas está ali, sempre presente. Há muito já deixei de pensar o que fazer com a saudade que sinto de pessoas amadas que, por diferentes motivos, foram embora da minha vida. Penso nisso a cada dia 27, quando mães, pais, maridos, esposas, namorados, namoradas, amigos, brasileiros e estrangeiros contabilizam hoje mais um mês da perda de afetos, amores e vidas ocorrida na tragédia da boate Kiss, em Santa Maria.



Repasso tudo o que ocorreu no mundo nesses 120 dias, fatos bons e ruins. Escolheram um novo Papa, morreu a primeira ministra Margareth Thatcher, os EUA sofreram um novo atentado, o Irã foi abalado por outro terremoto e, na música, perdemos Chorão e Emílio Santiago. Mas nada disso pode ser compartilhado com essas pessoas que se foram no incêndio da boate em Santa Maria.

Isto, talvez, seja o pior da perda: não mais poder compartilhar o dia a dia, não mais traçar planos, fazer projetos, reclamar do patrão, rir, chorar ou simplesmente nos encantar com mais um pôr do sol sentado ao lado de nossos entes queridos.

O que fazer com sentimentos que ficam retidos em nossos corações e que não mais podem ser partilhados? Ao longo dos anos venho utilizando truques para driblar essa tal saudade: voo com borboletas coloridas, debato planos e projetos sentada no final do arco íris. Aproveito as tempestades para limpar a alma fazendo com que a chuva carregue minhas dores, angústias e rancores. Pego carona com o melhor maratonista do mundo para que juntos possamos vencer os obstáculos dessa grande competição que é a vida. Dou gargalhadas com as crianças e me embebedo com a sabedoria dos idosos. E em cada situação carrego junto os afetos que me foram roubados ao longo do tempo.

Cada amor, cada familiar, cada amigo que fisicamente não mais se encontra ao meu lado embarca comigo nessas viagens. Alguns, mais inteligentes do que eu, claro, voam muito mais alto do que as borboletas; outros, já de posse do pote mágico, fazem do arco Iris o seu novo projeto; um terceiro grupo provoca um tsunami acabando de vez com as dores da alma; enquanto espertos maratonistas não se preocupam com pódio porque sempre cruzam a linha de chegada da grande corrida da vida inteiros, fortes e prontos para novas competições. Ainda tem aqueles que traçam seu caminho de mãos dadas com a pureza infantil e a sapiência da maturidade.

Assim convivo com minhas saudades. Não é uma receita, algo que seguimos passo a passo e dá certo; não, não estamos falando de bolo. Gosto de pensar que dentro de cada um existe um mecanismo, uma chave, uma entrada, um segredo de como lidar com essa dor chamada saudade. Algo que possibilite compartilharmos, mesmo em diferentes planos, a vida com aqueles que se foram. Há de chegar uma hora em que vamos parar de contabilizar meses, anos, guerras, terremotos, 11 de setembro, 27 de janeiro e direcionar nossa energia a esse único propósito: desvendar o mistério dessa nova forma de compartilhar.







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